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Otimismo vs Realismo – A opinião de Mário Santos

Jornal A Bola, 3/10/2013 – sem link

Terminou no fim-de-semana a maioria das épocas desportivas das modalidades e disciplinas olímpicas, com vários resultados de referência em distintos Mundiais. Os velejadores Jorge Lima/José Costa foram quintos, no ciclismo destaque para o quarto no contrarrelógio individual sub-23 e o sétimo e 11.º em absolutos. A canoagem conquistou mais três medalhas, agora nas maratonas, somando um impressionante registo de dezoito pódios em Europeus e Mundiais só esta época. Do Europeu sub-21 de taekwondo vieram mais três medalhas…

A excelência teve o apogeu com a conquista, inédita, do título Europeu de equipas em ténis de mesa. Dos inúmeros elogios que aqui não cabem, registo a capacidade, já evidenciada em Londres 2012, destes atletas se superarem, no momento certo, perante adversários teoricamente mais fortes. Foi esse estímulo, essa capacidade, esse querer e crer mais do que todos que fez a diferença!

O sucesso não foi só desportivo, pois em Lisboa foram potenciadas infraestruturas desportivas, hoteleiras e elogiada a competência organizativa, provando que o desinvestimento de Portugal nos eventos desportivos internacionais seria um erro. Parabéns ao ténis de mesa – e a todas as modalidades – que ousam alavancar as nossas infraestruturas, mobilizar os seus desportos e dar-lhes visibilidade, tudo isto sempre num quadro de sustentabilidade económica. Os eventos da canoagem em Montemor-o-Velho, do ciclismo em Sangalhos e os resultados desportivos alavancados são também forte exemplo para o poder político e demais federações.

Estes resultados são motivadores para 2015, determinante nas qualificações olímpicas, mas nem por isso justificativos de inusitada euforia: em 2014 Portugal apenas conquistou duas medalhas em Mundiais nas disciplinas olímpicas, nomeadamente a prata na canoagem e judo. Apesar de não existir uma quantificação de medalhas no contrato entre COP e tutela, estes resultados suscitam entusiasmo, mas ainda longe de justificado otimismo para o Rio2016.

Mário Santos, Presidente FPC 2004-2013, Chefe de Missão Jogos Olímpicos Londres’2012

NOVAS TENDÊNCIAS – A opinião de Mário Santos

Jornal A BOLA, 19/09/2014 – sem link

As organizações desportivas procuram respostas às modernas tendências de uma sociedade em constante mutação, e na qual o desporto continua a assumir um papel destacado.

Vivemos uma nova forma de praticar desporto, com uma incontornável tónica no individualismo, uma maior importância da cultura da saúde e do corpo: isto determina uma mudança no tipo de modalidades mais procuradas, bem como a forma e o local da sua prática.

No que concerne aos Jogos Olímpicos (JO), tal preocupação versa igualmente sobre quais as modalidades – e, dentro destas, quais as disciplinas – que integrarão o programa olímpico.

Em dezembro, em sessão extraordinária do COI, e tendo presente a Agenda Olímpica 2020, o programa olímpico, no formato que o conhecemos atualmente, pode sofrer significativas alterações induzidas pelas tendências modernas do desporto e o papel social que este tem assumido nas últimas décadas. Pelo exposto, estão em discussão a integração de diferentes disciplinas e modalidades tendo em consideração estas new trends.

Os Jogos Olímpicos de Sochi 2014 foram um exemplo dessas tendências, com uma preponderância de novas disciplinas [12 – ver AQUI] que tiveram audiências muito superiores às disciplinas “clássicas”. Não só alavancaram as audiências, como arrastaram atrás de si legiões de novos praticantes e uma economia crescente do equipamento aos eventos.

Todos os intervenientes, da formação ao alto rendimento, devem ter presente esta nova realidade no momento de preparar, organizar e financiar o desporto, sob pena de estarem a afastar-se, cada vez mais, daquelas que são as modernas tendências de uma sociedade em constante evolução e que está mais disponível para praticar e valorizar o papel do desporto.

Menosprezar determinadas modalidades ou disciplinas capazes de cativar atletas e, inclusivamente, de trazer sustentabilidade à sua prática, é um erro no qual não devemos cair. Estarão os portugueses (dirigentes/atletas) preparados para esta anunciada revolução?

Mário Santos, Presidente FPC 2004-2013, Chefe de Missão Jogos Olímpicos Londres’2012

PRIORIDADE À PRATA? – A opinião de Mário Santos

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Jornal A BOLA, 15/08/2014, sem link

A canoagem granjeou um capital mediático invulgar, reforçado com a brilhante medalha de prata do K4 1000 (regata rainha da canoagem) nos Mundiais de Moscovo. Uma tripulação sem estatuto prioritário na seleção, apesar dos seus repetidos resultados de excelência internacional.

Depois de “cair” o K2 1000 que deu a única medalha olímpica a Portugal, será que este K4, vice-campeão do Mundo e com ouro (2011), prata (2013) e bronze (2014) nos Europeus  será uma prioridade face ao valiosíssimo e aparentemente intocável projeto individual? É que o K1, vencendo a final… B (10.º), nem o apuramento olímpico garantiria.

Este K4 de eleição apenas falhou uma vez, rumo a Londres2012, em 2011, um só mês depois de ser campeão da Europa, com recorde do Mundo. Em regata “atípica”: foi o barco mais rápido em três dos quatro segmentos de 250 metros, mas também foi claramente o mais lento no restante, entre os 500 e os 750 metros. Inédito!

O objetivo das medalhas deve ser assumido, sem medo. Há metas contratualmente fixadas entre atletas, federações e a tutela, pelos quais o Estado aloca meios financeiros, técnicos e humanos, superiores a 50.000 euros ano/atleta, só concebíveis para resultados de excelência.

Para Londres2012, não foi consensual a inequívoca aposta federativa no K2 1000 em detrimento do K1 que alguns, com diminuta informação, defendiam. Privilegiamos o sucesso. A novela do K1, alavancada por estranha pressão mediática, teve ameaças de recurso a tribunais e culminou com a recusa em competir, sem, no entanto, abdicar do soldo. Esqueceram-se da posterior peregrina ideia de mudança de nacionalidade? A memória é um dos nossos mais preciosos bens. Preservem-na.

Analisando os resultados, e fazendo ouvidos moucos às desculpas do vento, ondas, sol, chuva, azar e aos dias “não”, que são para todos, qualquer cego vê qual deve ser a preferência rumo à excelência. Que umbigos de platina não se imponham ao valor da “prata”.

Mário Santos, Presidente FPC 2004-2013, Chefe de Missão Jogos Olímpicos Londres’2012

Sempre a aprender? – Opinião de Mário Santos

Jornal a Bola – 11/07/2014 – Sem link

O Mundial de futebol é um magnífico espetáculo desportivo com o envolvimento apaixonado das Nações, com fantásticas equipas e momentos de grande espetáculo e emoção. É, também, um momento único para presenciar o alto rendimento na sua mais elevada exigência.

Deste campeonato guardo, por exemplo, a forma organizada e planeada como a Alemanha encarou a sua participação: a perder, que não seja por erros próprios. Estranhamente, entre nós causou surpresa e foi encarada como grande inovação o facto de se ter socorrido dos estudos da universidade de Colónia, na qual os estudantes analisaram detalhadamente os seus adversários, constituindo esta uma ferramenta de trabalho que a federação, inteligentemente, utilizou um instrumento de trabalho normal numa equipa multidisciplinar competente.

Registo também o desempenho da Holanda, cujo selecionador/treinador demonstrou verdadeiro trabalho de casa e uma capacidade de preparar, de forma objetiva e eficiente, os cenários que iria encontrar. Escolher um guarda-redes e substituí-lo apenas para a decisão por grandes penalidades demonstra preparação. O conhecimento e treino vs a mera fé.

Evidentemente, esta preparação que pareceu arredada da seleção de Portugal deveria, ao menos, inspirar-nos para a nossa preparação Olímpica. Começando, por exemplo, no implementar da plataforma informática que permitiria a consulta online das listas de praticantes, treinadores, entidades desportivas, cadernos de encargos e relatórios técnicos desportivos. Aliás, ferramenta prevista no Projeto de Preparação Olímpica como Instrumento de gestão para a sua monitorização/avaliação, em termos técnico-desportivos. Incompreensivelmente, teimam em manter este compromisso fundamental no sítio do costume: a gaveta.

Ainda vamos a tempo de efetivar as múltiplas parcerias com as Universidades cujos protocolos deviam ter efeitos mais palpáveis do que o simples anúncio e as fotos da praxe. Todos temos muito a aprender… e a ganhar!

Mário SantosPresidente FPC 2004-2013 e chefe de missão JO Londres’2012

Coincidências? – Opinião de Mário Santos

Mario Santos

Jornal A BOLA – 4/7/2014 – Sem link

No último fim de semana Portugal conseguiu cinco resultados desportivos de referência internacional, todos em disciplinas e distâncias olímpicas. Reforço este facto, pois é reconhecida a maior competitividade, exigência e densidade de participação nestes eventos.
A canoagem obteve três medalhas de bronze nos Europeus Juniores e Sub-23: Joana Vasconcelos (K1 200), Francisca Laia e Maria Cabrita (K2 500), Tiago Tavares (C1 200). A estas medalhas somou mais duas finais, com a C2 sub-23 Nuno Silva e Bruno Afonso em sétimo e a júnior Márcia Aldeias oitava em K1 200.

O triatlo obteve um segundo lugar numa das Etapas do Campeonato do Mundo que decorreu em Chicago através de João Pereira (já é 5.º no ranking Mundial) e Pedro Mendes arrecadou uma medalha de bronze no Europeu de sub-23.

O que têm estes atletas em comum? O facto de todos terem frequentado ou frequentarem as residências desportivas das respetivas federações em Montemor-o-Velho (no caso do triatlo já foi encerrada) e quase todos serem universitários

Os projetos das Federações e Autarquia visam promover a compatibilização do alto rendimento com a formação académica dos atletas, pelo que sempre tiveram como parceiros o Agrupamento de Escolas e a Universidade de Coimbra

É verdade que o projeto ainda tem muito a evoluir para chegar à eficiência de outros países, contudo foi possível criar um sistema que tem trazido consistentes resultados de referência, tanto no desporto como na concretização da cidadania, com o investimento na formação académica.

Sublinhar esta coincidência não me obriga a defender a aplicação transversal deste sistema, contudo deve merecer uma profunda reflexão e estudo aquando da definição de caminhos rumo ao desejado sucesso no alto rendimento. Ainda recentemente vimos que há quem subscreva que não devemos mudar só porque as coisas correm mal. E há quem ache que o êxito é pura coincidência. Não me revejo em qualquer destes pensamentos.

Mário SantosPresidente FPC 2004-2013 e chefe de missão JO Londres’2012

 

E a responsabilização? – Opinião de Mário Santos

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Jornal A BOLA – 27/5/2014 – Sem link

Quiçá por força da sua pouca mediatização ou desvalorização social (com exceção do futebol), o desporto de alto rendimento em Portugal está completamente fora do escrutínio público. É mau. Tem potenciado uma crescente irresponsabilidade e desresponsabilização dos erros. Para piorar a situação, quem tem o poder, a obrigação de regular e de fiscalizar está mais preocupado em passar entre as gotas da chuva e aparecer bem na fotografia do que em agir em conformidade.

Infelizmente, temos vários casos de atletas e federações financiados com dinheiros públicos para se prepararem para participar em determinadas competições com objetivos de resultado e acontece que, por vezes, uns se recusam a participar, enquanto outros, inexplicavelmente, não estão preparados, ou sequer inscritos, para competir. Consequências? Nenhuma.

Apesar de ter conhecimento de tais factos, mesmo estando em vigor contratos segundo os quais tal incumprimento terá que dar origem obrigatoriamente a um processo de averiguações (seja este incumprimento por parte dos atletas ou das respetivas federações) a verdade é que se desconhece a instauração de qualquer processo de averiguação por parte do IPDJ. Mesmo tendo sido amplamente mediatizados vários casos de incumprimento.

IPDJ e COP cúmplices em sepulcral silêncio, sendo este responsável pela operacionalização da Preparação Olímpica. Evidentemente, é mais fácil resolver tudo “na amizade” e no “deixa lá isso, agora não há nada a fazer”. Mesmo olvidando os dispositivos legais. Coniventes com essa desresponsabilização, terminamos sempre com as mesmas desculpas: o azar, o árbitro ou a falta de meios. Mais fácil do que corrigir erros ou primar pela competência. A sorte dá muito trabalho. Perder e ganhar fazem parte da equação, mas a organização, liderança e responsabilização na procura da excelência são o único caminho de um país avançado para o êxito no alto rendimento.

Mário SantosPresidente FPC 2004-2013 e chefe de missão JO Londres’2012

A Fundação do desporto – Opinião de Mário Santos

Mario Santos

Jornal A BOLA – 23/5/2014 – Sem link

A inevitável extinção de Institutos e Fundações, quantas de interesse e valor duvidoso, poupou a Fundação do Desporto. Justificou o Governo com o papel que esta iria ter na gestão central e financiamento dos Centros de Alto Rendimento (CAR) e na captação de fundos privados para o desporto (mecenato e os benefícios fiscais em geral aplicáveis ao desporto). Promoveria ainda a dinamização do Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED).

Decorridos mais de dois anos, desconhecemos, de todo, qual a atividade concreta deste organismo. A título de exemplo, temos o Modelo de Gestão dos CAR: já devia funcionar em pleno, sob a égide da Fundação do Desporto, desde o final de 2012. Na verdade, apenas esta quarta feira foi celebrado o contrato programa entre a Fundação e o IPDJ para dar início á implementação de tal modelo.

Lamentavelmente, até hoje os únicos momentos em que ouvíramos falar da dita fundação deveram-se ao inapropriado e injustificável protagonismo dos seus presidentes. Apesar de se tratar de um cargo de nomeação política, assistimos, de forma preocupantemente descontraída, aos presidentes da Fundação do Desporto a assumir posições públicas de apoio a listas de organismos do desporto nacional. Será este o contributo para a dinamização da ética no Desporto?

O anterior presidente fez campanha por uma lista às eleições do Comité Olímpico de Portugal, cujos votantes, as federações, se iriam candidatar aos fundos públicos que a “sua” Fundação iria distribuir. Recentemente, mais do mesmo: o atual presidente assumiu o apoio a uma lista para a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

É profundamente preocupante a forma permissiva como todos os agentes desportivos aceitam estes comportamentos. Sem sequer questionar a racionalidade e utilidade de tantas instituições a tutelar o desporto. Consomem parte significativa dos recursos sem lhes conhecermos mais-valias efetivas. Num barco que não quer afundar, é aconselhável parar de meter água.

Mário SantosPresidente FPC 2004-2013 e chefe de missão JO Londres’2012