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“HOSGELDIN, CARLOS!” – Artigo Revista Visão 20/02/2014

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Revista Visão, 20/02/2014 – Sociedade/Desporto – Sem link

O “bem-vindo” que acima se lê, em turco, tem história: a promessa da canoagem nacional, Carlos Marques é, agora, uma forte esperança do projecto olímpico da Turquia. Será que ainda nos trama, nos Jogos do Rio?

Num dia de Janeiro passado, na véspera de partir para Adana, a caminho do centro de estágio da selecção turca de canoagem, Carlos Marques encontrou, num acaso de rua, a professora de Educação Física que, na Escola António Augusto Louro, no Seixal, tinha ele 11 anos, o iniciou na modalidade, no rio Tejo. Carlos contou a Ana Garcês que ia ter dupla nacionalidade e competir pela Turquia. Aceitara o convite da federação daquele país para integrar um projecto de três anos, com o apuramento para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, como grande objectivo. “A professora ficou um pouco em choque”, relata o ex-aluno, que se lembra, na perfeição, do dia invernoso a dar as primeiras pagaiadas. “Rendi-me logo.”

Perante aquele encontro imediato de terceiro grau, é possível que crentes em forças sobrenaturais, que traçam destinos por antecipação, dêem como adquirido um suposto facto: nos Jogos do Rio, Carlos Marques, a pagaiar no seu caiaque, pela Turquia, vai tirar uma medalha às nossas cores. Um exagero, por agora.

É verdade que Carlos, 20 anos no próximo dia 22, foi sempre convocado, entre 2009 e 2013, para a selecção nacional. Em 2012, por exemplo, trouxe para Portugal uma medalha de bronze, ganha em K2 (dois lugares) 200 metros, na Regata Internacional de Piestany, Eslováquia. Ainda nesse ano, chegou a 16º do ranking dos melhores canoístas europeus, em K1 500 metros, na categoria de sub-23. Mas, em 2013, teria uma época menos boa, compensada pelo convite da federação turca. Agora, em Adana, o luso-turco Carlos Marques treina-se intensa e diariamente, de manhã e à tarde, de segunda a sábado, preparando-se para disputar três Taças do Mundo, dois Europeus e dois Mundiais, e claro, conseguir o dificílimo apuramento para os Jogos do Rio.

Húngaros à vista

Carlos Marques tornou-se turco através de uma norma que invoca o “interesse nacional”. E foi integrado numa equipa em que sobressaem húngaros: o treinador Gabor Szabo, 50 anos, o campeão mundial, em 2006, e “vice” europeu, em 2007, de K4 1000 metros, Lajos Gyokos, 32, e a promessa Sara Seprenyi, 21. É forte a aposta que a Turquia faz numa modalidade em que não possui qualquer tradição. Numa população de 75,6 milhões, tem só duas centenas de praticantes.

A Hungria, explique-se, é uma potência da canoagem e um papa-medalhas crónico em Jogos Olímpicos. Com tais companheiros, Carlos Marques não podia estar mais feliz. “Ando sempre com um sorriso nos lábios”, diz, motivadíssimo, desde Adana. “Somos muito bem tratados pela federação” – que lhe assegura tudo, da logística ao salário e a viagens. O canoísta está alojado no campus de Çukurova, a universidade de Adana, cidade do sul da Turquia, perto do Mediterrâneo, soalheira e de temperaturas amenas. E tranquila, diz Carlos, a largas centenas de quilómetros das convulsões político-sociais na capital, Ancara, e na grande metrópole Istambul.

A federação portuguesa autorizou, pacificamente a transferência do atleta para a Turquia. “Devido aos cortes nos subsídios públicos”, diz fonte conhecedora, “não há condições financeiras para dar oportunidades a jovens talentosos, como Carlos Marques [ver AQUI].” O antecedente conhecido é o do remador Bruno Mascarenhas que, em conflito com a respectiva federação alinhou pela Itália, nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, e conquistou uma medalha de bronze. Falta, pois, a pergunta de algibeira: se o canoísta subir ao pódio, metamorfoseará a bandeira da lua e estrela brancas, sobre fundo vermelho, para as cores lusitanas? “Ainda não penso em medalhas nem nas bandeiras”, responde Carlos Marques, politicamente correcto.