“Confederação é horrível”, diz campeão de canoagem #IsaquiasQueiroz #Brasil

Original www.atarde.uol.com.br – Foto Balint Vekassy (ICF)

De um projeto social  à esperança real de medalha nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016. Esta é a trajetória de Isaquias Queiroz. Aos 21 anos, o baiano de Ubaitaba é hoje uma das referências da canoagem. Primeiro brasileiro a conquistar um título mundial na modalidade — em 2013, na prova de 500 metros —, ele iniciou com um ouro, no  fim de semana passado, sua temporada internacional de 2015.

Na prova de 500 m – não disputada na Olimpíada – da etapa de Duisburg  da Copa do Mundo de Canoagem, Isaquias  desbancou seu principal concorrente, o alemão Sebastian Brendel, atual campeão olímpico nos 1.000 m.

Na volta da Alemanha, ele conversou por telefone com A TARDE. De origem humilde, lembrou obstáculos que superou: “Trabalhava na feira às sextas e sábados. Geralmente recebia R$ 1 ou R$ 2 por carreto. Já sofri uma queimadura grave, só tenho um rim”.

O atleta criticou ainda a falta de apoio da confederação nacional de canoagem: “É horrível”. Mas apontou como decisivo para seu sucesso o espanhol Jesús Morlán. Com cinco medalhas olímpicas – um ouro e quatro pratas -, o técnico assumiu a seleção brasileira em 2013 e revolucionou o sistema de treinamento.

Isaquias também revelou que a rivalidade com Brendel se restringe às raias de competição. Fora delas, são amigos.  E sobraram elogios ao maior concorrente.

Você acaba de faturar a medalha de ouro na prova de 500 metros, em Duisburg, na Alemanha. Qual será seu próximo agora?
(risos) Rápido, não é? Para ter ideia, não tive e não terei descanso. Chegamos da Alemanha ontem (na última terça-feira) e já amanhã (quarta-feira), retornaremos aos treinos. Não posso perder tempo. O  foco agora é nos Jogos Pan-Americanos, no Canadá (de 11 a 14 de julho), e no Mundial de Canoagem, na Itália (de 19 a 23 de agosto). Queria até explicar isso, se me permite. Irei para  essas provas apenas pelos resultados, e não por uma classificação olímpica. Como a CBCa (Confederação Brasileira de Canoagem)  escolheu a minha prova para ter vaga garantida nos Jogos do Rio – o Brasil tinha direito a uma vaga na modalidade -, eu  estruturarei minha programação sem ter de me preocupar em assegurar classificação.

Ainda falando sobre o ouro em Duisburg. Você venceu numa categoria que não é olímpica.  Na prova de 1.000 metros, porém, perdeu exatamente para o alemão Sebastian Brendel, campeão em Londres-2012…
Foi. Por muito pouco, mas perdi. Não é desculpa, mas, para mim, disputar o C1 1.000 foi complicado, pois a última vez em que competi nesta prova havia sido em abril, no Sul-Americano no Equador. Depois dei uma pausa. Já o Brendel, não. Ele está num ritmo bem maior e melhor  que o meu.

Hoje, Sebastian Brendel é seu grande rival?
Ele, sem dúvidas, na categoria e no esporte, é o ‘cara fora de série’. Muito melhor que eu ainda. Minha carreira ainda é precoce. Eu só tenho dois anos que brigo por medalhas, já ele está há anos nesse meio. Ele tem know-how, experiência… Mas eu estou chegando. Além de garra, vontade, meu grande trunfo é a idade. Sou novo, tenho só 21 anos (risos). Fora das raias de competição, somos amigos. Ele é uma grande pessoa, simpático, humilde, nunca me tratou mal.

A imprensa especializada lhe aponta como principal nome da canoagem brasileira. Como  vê essa responsabilidade?
Para falar a verdade, não sinto uma pressão, tampouco responsabilidade. Foco  no meu treinamento.

Você esbanja confiança. Baseado em seu discurso, podemos crer no ouro nos Jogos Olímpicos do próximo ano?
Uma coisa que posso falar é que não será nada fácil. Minha expectativa é grande, e lógico que vou buscar o ouro. Não é impossível. Pelo que fiz nos campeonatos e venho fazendo recentemente, já deu para ver que meu nível é alto. Eles (adversários) não podem dar mole, eu já saio forte (na largada). Se vacilarem, já era. Uma coisa posso lhe garantir: darei o meu melhor. O Jesús me cobra muito isso.

Já que você falou sobre o treinador espanhol Jesús Morlán, de que forma ele influenciou seus resultados?
Em tudo! (risos) Com ele, cada atleta tem metas de tempo e evolução a cumprir. Antes, treinávamos de um jeito que não dava muito resultado. Comparados com ele, os treinadores brasileiros são ‘meia-boca’. Quando ele chegou, ficamos em dúvida: será que vai funcionar? A prova está aí. Em 2013, já com ele me treinando, ganhei tudo que participei. A canoagem só ganhou com a chegada de Jesús.

Na sua opinião, o que falta para a canoagem ser um esporte mais difundido e praticado no Brasil?
Faltam mais formações de treinadores, dedicação dos atletas também. E apoio da Confederação Brasileira de Canoagem, que é horrível.

O que há de tão ruim na confederação?
É simples: sou mais respeitado lá fora do que pela própria confederação. Desde o início do ano, só recebi apoio do Ministério do Esporte e do COB (Comitê Olímpico Brasileiro), ainda não saiu nada pela confederação. Para essa viagem à Alemanha, só fui porque o Comitê Olímpico bancou. A confederação me disse que não tinha dinheiro não. Agora como pode se eles ganham repasse do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)? É chato, é triste, é lamentável. Mas minha vida é assim, de superação. Sempre foi.

Não são de agora suas dificuldades…
Não, cara. Que nada! (risos). Eu trabalhava às sextas e sábados na feira da cidade. Geralmente recebia R$ 1 ou R$ 2 por carreto. É uma história longa. Já sofri uma queimadura grave, só tenho um rim… (pausa, seguida de respiração profunda). Em meus primeiros anos na canoagem, minha mãe, Dilma, trabalhava como faxineira na rodoviária  de Ubaitaba, não media esforços para me ajudar. Tudo que faço, penso, dedico-me por ela. Não só por ela, mas para todos que me ajudaram desde o início no projeto social, o Jeferson (Lacerda, integrante da primeira delegação brasileira de canoagem a ir a uma Olimpíada), o Figueroa Conceição (responsável pelo projeto social)  e outros.

Você teve que deixar Ubaitaba para morar no centro de treinamento da seleção brasileira, em Lagoa Santa (a 36 km de Belo Horizonte). Como foi isso?
Foi muito estranho. Mas sou um cara que não sou tão apegado. Saí da Bahia para São Vicente, em São Paulo, em 2010. Depois fui para o Rio de Janeiro, voltei para São Paulo e agora, Lagoa Santa, em Minas. Foi ruim ter que deixar minha terra, família, amigos… Mas, pense pelo meu lado: aqui, eu tenho tudo, infra-estrutura, alimentação, moradia adequada. Acordo e durmo pensando em melhorar meus resultados. Então, tive que fazer uma escolha e, para mim, fiz a melhor.

Na última Olimpíada, você foi a Londres pelo Projeto Vivência Olímpica. Como foi ver de perto uma Olimpíada?
Não foi. Ter ido não serviu para nada.  Afinal, não assisti às provas de canoagem, mas às de triatlo. O intuito foi bom: levar 16 atletas para quebrar o gelo, ver de perto as competições… Mas, para mim, só valeu ir como torcedor mesmo.

Como ocorreu a perda de um dos seus rins? Isso lhe prejudica de alguma forma?
Eu sempre fui muito curioso, quando criança fiquei animado ao saber que uma cobra havia sido morta e pendurada em uma mangueira. Como nunca tinha visto o bicho, subi na árvore, mas me desequilibrei e caí em cima de uma pedra. Tive hemorragia interna e tive que tirar um rim. Hoje, só tenho um. Mas não é problema não. Sou um cara normal.  Só tenho cuidado em beber muita água para não prejudicar o outro rim.