Também se pesca na casa dos campeões

Jornal O JOGO – 4/4/2014
CAR de Montemor-o-Velho é o local de treinos dos olímpicos de canoagem e remo, mas a utilização do complexo passará a ser paga, o que não acontecia, e a Câmara abriu o local a mais modalidades. A pesca desportiva já lá está… mas não é pacífica

Até agora quartel-general das seleções de canoagem, remo e triatlo, o Centro de Alto Rendimento de Montemor-o-Velho abriu-se recentemente à pesca desportiva. A intenção da Câmara Municipal, que gere o complexo por inteiro, é integrar ainda mais modalidades e passar a cobrar pela utilização do espaço, o que não acontecia, mas a chegada dos novos “utentes” não é totalmente pacífica. “Remo (ou canoagem) e pesca nunca se deram” é uma das frases mais ouvidas.

Esta infraestrutura tem de ser mantida, tem custos. Abrimos o canal de arrefecimento à pesca desportiva, também vamos abrir o canal de retorno e queremos ter outras modalidades às quais vamos cobrar dinheiro, como também vamos cobrar pela utilização de todo o CAR”, adianta o presidente da edilidade, Emílio Torrão, não revelando que novas modalidades estão em vista. “Estão relacionadas com a água, não são olímpicas, demonstraram interesse, e claro que todas as fontes de financiamento são bem-vindas.”

Recorrendo a um estudo do executivo anterior, o autarca lembra que os custos de manutenção do espaço, “casa” dos olímpicos Emanuel Silva e Fernando Pimenta antes da conquista da prata em Londres’2012, são de 300 mil euros por ano. “O estudo prevê as medidas que já estamos a tomar, de abrir o CAR a outras modalidades e fazer um conjunto de investimentos à volta que permitam a sua rentabilização”, afirma, esclarecendo que “a Câmara está a trabalhar num regulamento”.

A inclusão da pesca desportiva, incompatível com embarcações num mesmo espaço, pode gerar discussões e no último fim de semana já teve o primeiro problema, entre o olímpico Pedro Fraga e pescadores desportivos. “As modalidades têm de ser compatíveis, porque o CAR tem de gerar receita. Nunca vai dar para cobrir a despesa, mas tem de gerar alguma para a Câmara manter o nível que é desejado pelos atletas de alta competição”, responde Emílio Torrão.

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“Muito milhão exige gestão” – Artigo de Opinião de Mário Santos

Mario Santos

Jornal A BOLA – 4/4/2014 – Sem link

Em sentido inverso aos múltiplos êxitos desportivos e organizativos internacionais da canoagem portuguesa, o Centro de Alto Rendimento (CAR) de Montemor-o-Velho revela problemas que podem fazer perigar tudo o que tem sido conquistado. A dias das provas de seleção da equipa Olímpica, meses após terem competido nos Europeus de Portugal os melhores canoístas do Mundo, a um ano de organizar o Campeonato do Mundo júnior e sub-23 e após a conquista da organização dos “olímpicos” Mundiais absolutos de velocidade em 2018, é assustadora a inexistência de manutenção no CAR. Um dos canais foi invadido por plantas que o tornam inavegável, a balizagem está degradada por não ter sido retirada, a torre de chegada revela insuficiências estruturais, os balneários estão sem água quente há largos meses… Portugal tem 13 CAR, resultado de um avultado investimento total próximo dos 100 milhões de Euros. As autarquias são quem tem assumido, quase na sua totalidade, os custos de manutenção e financiamento. A 9 de outubro de 2012, a tutela prometeu, pomposamente, que até ao final de 2012 entraria em vigor um modelo de gestão dos CAR, a ser partilhado pela Fundação do Desporto, federações e autarquias. Estamos em 2014 e… nada. Parece-me que um modelo de financiamento individualizado norteado pela especificidade, competitividade, resultados operacionais e desportivos atingidos seria o caminho mais adequado e que o modelo proposto será de difícil implementação. Disse-o na altura e justifiquei-o a quem de direito. A Canoagem já provou ser possível a sustentabilidade: organiza elevado número de provas do calendário internacional, tem muitos eventos desportivos nacionais e estágios das suas seleções. Agora que fizemos o mais difícil – construir as infraestruturas – é crime público deixá-las ao abandono. O país não pode dar-se ao luxo destas (in)capacidades dos decisores, nem pode perder oportunidades de potenciar investimentos, tanto na vertente desportiva como na económica.

Mário SantosPresidente FPC 2004-2013 e chefe de missão JO Londres’2012